Se em outros trabalhos, como Laços e Bear, Bianca Pinheiro buscou estabelecer uma linha mais próxima da realidade, em Eles estão por aí sua versatilidade é testada e colocada na mesa. O mesmo se entende no trabalho de Greg Stella, que aqui, contribuiu em maiores porcentagens no roteiro.
Os personagens de Eles estão por aí (Todavia) podem enganar. Eles, que andam por caminhos difíceis de compreender, exploram mais o mistério do entorno do que as causas do ato. Aliás, o entorno não é algo que gera tantas expectativas quanto o suspense que dá o tom da graphic novel de Bianca Pinheiro e Greg Stella, lançada em 2018.
Dois personagens principais de Eles estão por aí empreendem uma caminhada. Durante o trajeto, que não apresenta destino, eles topam com outros personagens tão caricatos quanto eles. Nesses encontros, a noção de deslocamento ordena os personagens à dúvida.
Em um diferente espaço, mas no mesmo contexto, outros personagens falam de sexo e compartilham sonhos que tiveram. Como se fosse um momento de pausa, eles não antecipam o que pode ocorrer com os protagonistas, tampouco recolocam algo que se perdeu anteriormente. Antes, dão margem para que flua na graphic novel o efeito, talvez pretendido pelos criadores, que põe em fuga o previsível.
Na continuidade dessa andança, os protagonistas adentram um pequeno barco que, aparentemente, será usado para fazê-los atravessar um trecho com água. Uma criatura de aparência cadavérica segura um remo e convida-os à travessia, que ocorre num espaço de tempo em que não é possível averiguar qual é a extensão daquele trecho.
Aos poucos, são os próprios protagonistas que descem do barco abandonando aquela criatura esquisita. Sem guia, sem mapa — se é que isso existe para os personagens — Eles estão por aí vai perdendo o fôlego ao se encaminhar para o desfecho. Ao contrário do esperado, esta não é uma graphic novel que depende do fôlego (ou do entusiasmo do próprio roteiro) para ser concluída; antes, seu desempenho reside nos elementos mais opacos, nas zonas de desconforto — e é lá que habita a interpretação.
É próximo ao desfecho que outro tema desboca. Os protagonistas se encontram com suas próprias motivações, numa determinada altura do trajeto. Ali, bem especificamente, é como se houvesse um close para bem mais perto do que se chama: desmonte. Já que não se quer mais ir, a melhor decisão que eles tomam é ficar — é assim que observamos a desintegração dos personagens até se ouvir apenas as batidas do que, pode ser o coração.
No final, a leitura de Eles estão por aí deixa claro que narrativas em quadrinhos podem apostar no que foge ao convencional, desde que lá dentro, em algum lugar, haja espaço para a instalação de pequenas ilhas em que serão encontradas as chaves que, únicas, poderão abrir os desfechos ou emularão formatos que serão capazes de dar seguimento.
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Créditos:
Foto de capa.